Um dia desses estava num ônibus e, pela janela, pude ver algo diferente na descuidada area de lazer pelo qual passo todos os dias, no início de uma avenida da cidade. No chão esburacado e mal cuidado, destacavam-se vários pôsteres de um candidato a vereador dessas eleições. A foto do indivíduo sorridente tinha um fundo verde brilhante, tudo muito pomposo. Enquanto eu olhava, a multidão atravessava lentamente a calçada em frente ao jardim sem olhar para os cartazes um segundo sequer.

Essa cena pode ser tomada como uma metáfora, ou uma espécie de “imagem condensada”, de um dos maiores problemas da condição política atual: a deterioração do processo de eleição democrática. O que mencionarei a seguir provavelmente é uma denúncia clichê – e isso não deixa de alarmar ainda mais a situação, porque, apesar de muito se falar, o problema parece que se naturalizou (no sentido mesmo de transformar-se em natureza, paisagem natural, configurada dessa maneira aparentemente desde sempre).
“Deterioração” não significa que o processo eleitoral está em perigo ou algo assim. A crise diz mais respeito à solidificação indubitável dessa prática – pelo menos no Brasil. Ela é, contudo, configurada a partir de uma lógica degradada e, para continuar no clichê, absurda. Vamos sintetizar essa lógica com base naquela cena inicial: os discursos rasos e simplistas (achatados e chapados como o fundo verde dos pôsteres) da esmagadora maioria dos candidatos parecem não dizer respeito a grande parte dos eleitores (o que pode explicar a atitude geralmente apática deles, como o jovem passante), que, dessa forma elegem seus “representantes” com base em certos fatores como: favores específicos, amizades antigas, obras realizadas com conseqüências a curto prazo (a maior parte convenientemente na época das eleições ou pouco antes), etc, etc.
Essa lógica, como já falei, parece que cria, com o passar do tempo, raízes mais fortes e profundas, apesar de não serem raras campanhas “de conscientização” e denúncias para as quais a apatia é quase tão grande quanto a oferecida para os candidatos. Por quê? Qual a origem dessa lógica? Como ela persiste? Sem pretender, obviamente, responder definitivamente a essas perguntas ambiciosas e urgentes, proponho uma conexão que pode começar a iluminar mais o problema: a paisagem desanimadora que vemos hoje na política institucional (e de forma mais escancarada ainda quando se trata do processo eleitoral) pode ter a ver com mudanças fundamentais na cultura política ocidental, que datam mais ou menos da década de 60.
Nesse período houve uma grande efervescência política (maio de 68, Cuba, revoluções de independência no “Terceiro mundo”, guerrilhas, etc), mas ela foi seguida de uma desilusão também enorme, já que os projetos e utopias não conseguiram realizar-se. Claro que o que veio depois não foi uma espécie de tempo “apolítico”, mesmo porque as contradições sociais devidas às relações de poder e à ordem mundial hoje são mais violentas e visíveis que nunca. No entanto, é possível dizer que houve uma mudança fundamental na forma de se fazer política. Talvez, hoje, o interesse das pessoas, de forma geral, na esfera pública e a maneira como elas atuam preocupadas com as relações de poder diga mais respeito ao que é chamado “micropolíticas” do que a certos processos institucionalizados (como as eleições).
“Micropolíticas” quer dizer um sindicato não mais preocupado em forjar a união dos “proletários de todo o mundo”, mas em garantir melhorias específicas em seu local de trabalho e no salário dos empregados e mais nada. Quer dizer não mais se preocupar com a mudança do “sistema” geral, mas no modo como são vistos, na sociedade, os negros, os homossexuais, as mulheres, etc. É a preocupação com melhoras cotidianas e não com revoluções violentas.
Se essa nova cultura política trouxe à tona discussões que eram antes deixadas de lado nos assuntos de poder, nela há problemas – como a amnésia com relação a muitos pontos importantes e cruciais daquela forma mais “tradicional” de se pensar politicamente. Mas isso é assunto para outra hora. O que importa aqui é aquela conexão a que quero chegar: a apatia das pessoas quando se trata de política institucional pode ter como uma de suas causas de origem a mudança mais geral na cultura política. Os partidos políticos (pelo menos os brasileiros, que eu saiba) não acompanharam tal mudança.
Em outras palavras: as formas institucionalizadas de fazer política, em sua maior parte, não atingem a sensibilidade política contemporânea. Parece que os velhos discursos de “educação, saúde, lazer e segurança” não engajam mais as pessoas. A crise parece pior quando se sabe que tal discurso, velho que seja, tem um fundo de verdade: mudanças nessas quatro “áreas-chave” são mais que necessárias. Caminhos de solução para a situação exigiriam processos complexos e sistematizados de pensamento. Mas uma pista à qual esse pensamento deve se agarrar é essa: o discurso da política institucionalizada, para que saia da estagnação atual, deve aderir ao que interessa hoje às pessoas em termos de política. Não deve abandonar, contudo, os acertos que vem conseguindo reunir até hoje, como o fizeram a maioria dessas “micropolíticas”, forjando para si sua própria fraqueza.

1 Comment:

  1. Anônimo said...
    fooda, fooda, fooda; viio Hoodão ? *-*.

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