Já no distante ano de 1964, George H. W. Bush, candidato ao Senado dos Estados Unidos pelo Texas, era apontado pelo adversário democrata Ralph Yarborough como uma marioneta do xeque do Kuwait, para quem a companhia de Bush fazia prospecção "offshore" de petróleo. Nas quatro décadas desde então, os Bush tornaram-se o primeiro clã político dos EUA a misturar-se completamente com famílias reais do Médio Oriente e com o dinheiro do petróleo.

Entender como é que estas relações invulgares influenciaram mesmo o "11 de Setembro" e distorceram depois a resposta dos EUA ao terrorismo islâmico exige que se pense na família Bush como uma dinastia.
O primeiro membro da família atraído pela riqueza do petróleo do Médio Oriente foi o bisavô de George W. Bush, George H. Walker, um especulador queera presidente da W.A. Harriman & Co., com sede em Wall Street. Nos anos 20,Walker e a sua empresa participaram na reconstrução dos campos petrolíferosde Bacu, a apenas algumas centenas de quilómetros do que é hoje o Iraque.Como membro da direcção das Dresser Industries (hoje parte da Halliburton),o genro de Walker, Prescott Bush (avô de George W. Bush) envolveu-se com o Médio Oriente a seguir à Segunda Guerra Mundial. Mas foi George H. W. Bush,o pai do actual Presidente, que forjou os mais fortes laços da dinastia coma região.
George H.W. Bush foi o primeiro director da CIA vindo da indústria do petróleo. Tornou-se depois o primeiro vice-Presidente - e, a seguir, o primeiro Presidente - a ter uma relação anterior quer com o petróleo quer com a CIA. Isto ajuda a explicar o seu interesse persistente no Médio Oriente, em operações clandestinas e em bancos duvidosos como o Banco Internacional de Crédito e Comércio, ou BCCI na sigla em inglês, com sede em Abu Dhabi, que se tornou mais conhecido como "Banco Internacional de Charlatães e Criminosos". Em cada um dos postos governamentais que ocupou, encorajou o envolvimento da CIA no Irão, Paquistão, Afeganistão e outros países da região e tomou decisões que ajudaram a tornar o Médio Oriente o destino principal em todo o mundo para carregamentos de armas.
Ao tomar as rédeas da CIA em Janeiro de 1976, Bush cimentou relações fortes com os serviços de espionagem tanto da Arábia Saudita como do Xá do Irão.Trabalhou de perto com Kamal Adham, o chefe da espionagem saudita, cunhado do rei Faiçal e um homem com ligações estreitas ao BCCI. Depois de deixar a CIA, em Janeiro de 1977, Bush tornou-se presidente da comissão executiva do First International Bancshares e da sua subsidiária britânica, onde, de acordo com os jornalistas Peter Truell e Larry Gurwin, no seu livro de 1992 "False Profits", Bush "viajou em representação do banco (...) até bancos internacionais em Londres, incluindo várias instituições do Médio Oriente".
Uma vez na Casa Branca, primeiro como vice de Ronald Reagan e depois como Presidente, Bush esteve ligado a pelo menos dois escândalos com laços ao Médio Oriente. Nunca ficou inteiramente clara qual a sua relação no caso Irão-Contras, em que carregamentos clandestinos de armas para o Irão, alguns financiados pelo BCCI, ajudaram a financiar ilegalmente as operações dos rebeldes Contra, que combatiam o regime sandinista na Nicarágua. Mas, em1982, o procurador especial Lawrence E. Walsh assegurou que Bush, apesar dos seus protestos de inocência, tinha de facto estado no meio de múltiplosactos ilegais.
Muito mais claro foi o papel central que teve, como vice e como Presidente,no chamado "Iraquegate" - a ajuda clandestina fornecida pelos EUA e pelos seus militares ao Iraque de Saddam Hussein durante a guerra com o Irão nadécada de 80. Sabe-se que Washington forneceu ao regime, além de armas convencionais, tanto culturas biológicas que podiam ter sido usadas em armas como "know how" nuclear.

Negócios com os Bin Laden

Durante estes anos, os quatro filhos de George H.W. Bush - George W, Jeb,Neil e Marvin - seguiam as pisadas familiares, fazendo negócios com financeiros da Arábia Saudita, do Kuwait e do Bahrain e relacionando-se como BCCI. O Médio Oriente tornava-se uma conveniente fonte de dinheiro para a família.
O filho mais velho, George W., estabeleceu a sua primeira ligação com aregião no fim da década de 70, através de James Bath, um homem de negóciosdo Texas que era o representante na América do Norte de dois sauditas ricos(e familiares de Osama bin Laden) - o multimilionário Salem bin Laden e o banqueiro e investidor do BCCI Khalid bin Mafouz. Bath pôs 50 mil dólares nasociedade Arbusto, montada em 1979 por Bush; provavelmente era dinheiro dos dois sauditas.
No fim da década de 80, depois de vários empreendimentos petrolíferosfalhados, o futuro 43º Presidente deixou que a débil companhia de petróleo em que era accionista maioritário e presidente fosse comprada por outra empresa com influências estrangeiras, a Harken Energy.
Em 1991, o "WallStreet Journal" comentava: "O mosaico das ligações ao BCCI que rodeia aHarken Energy pode não provar nada mais do que a multiplicidade dos laços do banco escroque. Mas o número de pessoas ligadas ao BCCI que tinham conexõescom a Harken - todas desde que George W. Bush subiu a bordo - levanta aquestão de elas poderem mascarar a tentativa de agradar a um filho presidencial".
Outros fumos de hipotética corrupção surgiram em 1990 quando a Harken, uma empresa sem experiência, conseguiu um importante contrato com o governo do Bahrain para efectuar perfurações no Golfo Pérsico. Os jornalistas da "Time"Jonathan Beaty e S.C. Gwynne, no seu livro "The Outlaw Bank", concluíram que"Mahfouz, ou outros actores do BCCI, devem ter tido influência aoconseguirem o contrato para o filho do presidente". A rede que rodeia as presidências Bush já estava a ser tecida.
O segundo dos irmãos, Jeb Bush, agora governador da Florida, passou a maior parte do tempo no início e meados da década de 80 com ex-agentes da espionagem cubana, Contras nicaraguenses e outros operadores que actuavam na lucrativa órbita de grupos de Miami controlados pela CIA. Mas também tinha ligações ao Médio Oriente. Dois dos seus sócios, Guillermo Hernandez-Cartayae Camilo Padreda, ambos acusados de negócios financeiros ilícitos, andavam associados havia muito a Adnan Kashoggi, negociante de armas do Médio Oriente, investidor do BCCI e figura envolvida no escândalo Irão-Contras. Aacusação retirou as queixas contra os dois, e um juiz determinou que o nomede Padreda fosse retirado do processo. Mas, alguns anos depois, Padreda, um ex-tesoureiro do Partido Republicano na área de Miami, foi condenado por fraude por causa de um projecto imobiliário envolvendo dinheiros do governo federal e que Jeb Bush tinha ajudado a facilitar.
Neil Bush, mais famoso pelo escândalo de corrupção na Caixa de Poupança Silverado, no Colorado, onde foi diretor na década de 1980, também teve laços com o Golfo Pérsico. Em 1993, depois de o pai ter deixado a Casa Branca, Neil foi ao Kuwait com os pais, com o irmão Marvin e com o ex-secretário de Estado James Baker. O pai regressou, mas Neil ficou no emirado a tratar de negócios e quando voltou envolveu-se em relações lucrativas com o sírio-americano Jamal Daniel. Uma das suas empresas, a"Ignite!", especializada em software educativo, incluía representantes depelo menos três famílias reinantes no Golfo Pérsico.
O interesse comercial dos Bush pelo Médio Oriente tem outro exemplo em Marvin, o irmão mais novo do actual Presidente. Entre 1993 e 2000 foi um accionista importante, juntamente com Mishal Youssef Saud al Sabah, membroda família real kuwaitiana, da Kuwait-American Corp., com interesses em companhias norte-americanas de defesa, aviação e segurança industrial.

Os sauditas são "quase da família".

As próprias relações de George H.W. Bush com o Golfo continuaram em expansão. Quando estava na Casa Branca com Reagan era conhecido no Médio Oriente como "o vice-Presidente saudita"; o ano passado, um artigo na revista "New Yorker" descrevia o embaixador saudita nos EUA como sendo"quase um membro da família" Bush. Muitos viram a Guerra do Golfo de 1991para expulsar o Iraque do Kuwait como uma consequência dos estreitos laços de Bush à indústria petrolífera e às famílias reais do Golfo, que se sentiam ameaçadas pelo expansionismo de Saddam.
Depois de derrotado na tentativa de conseguir um segundo mandato presidencial, Bush juntou-se em 1993 ao Carlyle Group, com sede em Washington. Sob a chefia de ex-responsáveis da Administração como Baker e o ex-secretário da Defesa Frank Carlucci, o Carlyle tornou-se especialista em comprar empresas ligadas à segurança e em duplicar ou quadruplicar o seu valor.
O ex-Presidente não só se tornou um investidor do Carlyle mas também consultor da empresa para a Ásia e especialista em atrair investidores. Doze ricas famílias sauditas, incluindo a de bin Laden, estavam entre eles. Em 2002, noticiou o "Washington Post", "sauditas próximos do príncipe Sultan, o ministro saudita da Defesa... foram encorajados a investir no Carlyle como favor ao mais velho dos Bush". Em Outubro passado, Bush abandonou a empresa; Baker, que agora tenta convencer os aliados dos EUA a perdoarem a dívida iraquiana, ainda é conselheiro sénior do grupo.
Se a guerra de 1991 e as suas consequências cimentaram os laços de Bush coma elite do petróleo e a realeza do Médio Oriente, também irritaram os crentes e os radicais islâmicos. No fim dos anos 90, muitos dos combatentes islâmicos que tinham sido mobilizados pela CIA e por outros para expulsar os soviéticos do Afeganistão tornavam-se cada vez mais anti-americanos. Encontraram-se em sintonia com Osama bin Laden, renegado pela sua família milionária, que estava irado com a presença dos EUA na Arábia Saudita.
Quando Washington desencadeou o ano passado uma segunda guerra contra o Iraque, sem encontrar armas de destruição maciça, sondagens internacionais,em especial as realizadas pelo Pew Center, de Washington, registaram um crescimento flagrante do sentimento anti-Bush e anti-americano no mundomuçulmano - uma atmosfera perfeita para recrutar terroristas. Mesmo antes da guerra, alguns cínicos argumentaram que o Iraque fora eleito como alvo para desviar a atenção do falhanço da administração em apanhar Osama.
Críticos mais ferozes sugeriram que Bush tinha procurado desviar a atenção de como os laços da família com os bin Laden e com elementos renegados do Médio Oriente tinham prejudicado o trabalho da espionagem norte-americana antes de 11 de Setembro. O senador democrata Charles E. Schumer queixou-sede que mesmo quando o Congresso divulgou, em meados do ano passado, relatórios da espionagem sobre as origens do ataque de 2001, a administração Bush reeditou fortemente um capítulo de 28 páginas sobre os sauditas e outros governos estrangeiros, concluindo: "Parece existir uma estratégia sistemática de apaziguamento e encobrimento quando se chega aos sauditas".
Não existem provas que sugiram que o "11 de Setembro" podia ter sido evitado ou descoberto se alguém que não um Bush estivesse na Presidência. Mas há certamente argumentos suficientes para sugerir que as muitas décadas de envolvimento e negócios da dinastia Bush no Médio Oriente criaram um conflito de interesses importante que merece estar no debate político. Nenhuma presidência anterior teve algo sequer remotamente parecido. Nem uma.


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