Blog estará temporariamente fora do ar, por motivos de força maior...
em breve novidades.


No que pessoalmente lhe diz respeito, o presidente Lula ainda faz cerimônia e resiste formalmente ao terceiro mandato. Não é para menos. Chega de turismo eleitoral. Assinou o ponto em todas as cinco sucessões presidenciais diretas sob a Constituição de 1988. Perdeu três e venceu duas. E vive a incerteza de não saber como será visto pelas costas, depois de deixar o governo em boas mãos. A Constituição de 1946 foi aferida em quatro eleições presidenciais desgastantes e passou no teste de carga política, mas não garantiu a normalidade eleitoral. E quando, finalmente, a oposição chegou ao poder, em sete meses o presidente Jânio Quadros deu inflexão pronominal ao verbo defenestrar, saltou pela janela e se mandou.

Não está muito clara a razão pela qual Lula recusa e, ao mesmo tempo, mantém à vista o terceiro mandato, sem o deixar retirar-se da desconversa política. É o primeiro a lembrá-lo assim que começa a ser menos citado. A cada 15 dias, ele próprio a inclui no monólogo sem fim (ao que tudo indica) para colher os benefícios em pesquisas de opinião. A oposição colabora apenas com veemência estridente cujo efeito é o oposto. A aritmética é o limite e, por mais que as pesquisas estimulem o continuísmo, tudo indica o fim próximo. A marca de 100 por cento seria, por um lado, o fim da linha e, por outro, o começo do desconhecido que já conhecemos. Mais uma vez, a volta ao começo.

Desta vez o presidente estava no exterior e, mesmo assim, reincidiu na dialética de recusar a sexta candidatura sem calcar a mão. Bastou-lhe admitir em princípio, como normal, o terceiro mandato para um presidente indeterminado que, ao fim e ao cabo, vem a ser ele próprio. Lula considera “assimilável” o terceiro mandato, “se for feito democraticamente”. Qual seja, a via plebiscitária. Em lugar de um passo à frente, dois atrás. Na contradição em que galopa, o presidente não perdeu a oportunidade de lembrar, passando de um pólo a outro, que “os primeiros ministros ficam, na Europa, 16 ou 18 anos”. A insistência presidencial em confundir presidente e primeiro ministro não leva em conta a diferença essencial entre presidencialismo e sistema parlamentar de governo. Nem lhe fica bem. É por aí que ele pode se perder, ou se achar, se lhe der na veneta desfraldar a bandeira do parlamentarismo que é, no Brasil, sinal de crise como sintoma e plebiscito à vista como medicação.

Quem sabe Lula converteria o imprevisível na oportunidade a ser preenchida por um debate didático que lhe arrancasse o espanto do personagem de Molière, quando ficou ciente de que era um prosador simplesmente porque não fazia versos. O princípio da exclusão resolve dificuldades teóricas. Depois de dois mandatos insatisfatórios, o presidente levaria um susto se o ministro da Justiça lhe dissesse a queima-roupa que, para compatibilizar mandatos de presidente e de primeiro ministro, o caminho mais curto, passando pela Constituição, é desfraldar a bandeira do parlamentarismo numa batalha eqüestre e pedestre travada no Congresso, onde a oposição montou a obstrução para escorar o dilúvio. Lula poderia então optar entre ser presidente ou primeiro ministro num regime de natureza parlamentar à brasileira. Com o temperamento rouco e o viés turístico do mandato presidencial, estaria bem servido no regime de gabinete, por 16 ou 18 anos, antes de aposentar-se uma segunda vez na vida.

Falta a Lula o "anjo da guarda" para orientá-lo nas oportunidades de ser o que sempre apenas pareceu. Ou de assumir o que sempre quis parecer, qual seja, parlamentarista sem se dar conta de que se desencontrou do endereço do gabinete, evidentemente por culpa da oposição. No caso da defesa que faz do plebiscito como instrumento de governo, não lhe disseram que o voto primário - sim ou não - não passa de falso respeito que o instinto autoritário nem disfarça em relação à democracia. Alguém no PT devia alertá-lo de que popularidade nem sempre tem o aval da democracia. Hitler e Mussolini foram populares até o fim. Eleitos, usaram e abusaram do plebiscito, e nem de longe suspeitaram que pudesse ser infiltração democrática. Plebiscito não oferece o perigo de fazer o jogo da democracia de onde ela tenha sido banida. Ao contrário, faz de conta que é eleição o que não passa de manobra. Ambos, Hitler e Mussolini, serviram-se de plebiscitos para iludir democratas de boa fé e má formação. Plebiscito não passa de baile de máscaras.

Nada de plebiscito. Por trás das pesquisas, os números dizem que 47% dos brasileiros em idade eleitoral querem, implicitamente, Lula por mais tempo. Mas, mostram também que 49% recusam-lhe outro mandato. É um bom sinal que, a esta altura de uma sucessão em caminhada no vácuo, o terceiro mandato ainda esteja inferiorizado na preferência de cidadãos que se manifestam sob garantia de anonimato. Ele também faz parte dos que acham insensato o terceiro mandato, embora a ambigüidade oscilante o exponha ao assédio do plebiscito. Na sua inesgotável hesitação entre a reeleição e o risco de escancarar a porteira, Lula acha que o Brasil deve mandar às urtigas o terceiro mandato, mas deferir aos eleitores a decisão prévia nas urnas: se o eleitorado quiser o terceiro, que agüente com todas as conseqüências. É o que está subentendido na apologia presidencial do plebiscito: é a forma eficiente de auto-destruição da democracia. Na ambivalência das suas relações com a imprensa, mordendo e soprando, ele acredita que a democracia agradeceria se os meios de comunicação escrita se limitassem a servir os fatos com tempero insosso da objetividade, “e não a criá-los”. E desistisse de “ser porta-voz de pensamento político”. Nem percebeu que acabava de propor, de forma sibilina, o que se chamava de censura e que continua disposta a exterminar a democracia pelas costas como Brutus fez com a ameaça de tirania em Roma.

Wilson Figueiredo

Postagens mais antigas